quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pestana


Preenchendo a boca: dez dentes de leite, e minha mente contando com mais de mil fantasias.
Juro para você, certo dia, ao cochilar sobre o sofá da sala avistei um aracnídeo colossal, cada pata possuía uma cor - confesso que a rosa me tirava o fôlego – ele veio ao meu encontro, e eu segurei sua coleira, logo fui ao parque apresenta-lo aos meus amigos, mas; só eu o via. Eu também vi o Papai Noel, assim, de pertinho, entreguei em suas mãos um tesouro, meu bico. Mamãe disse que eu já estava grandinha, ganhava até meu próprio dinheiro. De dez dentes, sobraram sete e, minha chefa, a fada do dente, me pagava a noite, durante o sono. Envergonhada ela, e um tanto estranha, a propósito, qual o objetivo de se ter tantos dentes guardados?
Dúvidas. Conforme minha arcada dentária formava-se, mais as mesmas surgiam. Decidi espionar a tal fada. Tarde da noite mordi a maçã mais verde da fruteira e o último dos dentes transitórios ali permaneceu. Perdi o rumo ao sentir a presença de minha mãe, depositando cédulas abaixo do travesseiro. No fundo eu já sabia, apenas cegava os olhos diante uma fantasia tão prazerosa e utópica.
Aos poucos uma fresta abriu, escancarou a realidade, cresci, e quanto mais cresço, a fresta aumenta.
Amarrei um ponto de interrogação a uma coleira e o levei passear. A cada perna colorida um sonho. O rosa: mudar o mundo. Pobre de mim que sequer varria o quarto.
As mudanças tornaram-se aparentes, não aquelas visíveis a olho nu. Surgem de dentro e transbordam em ideais e princípios. Desgrudam os olhos, proporcionam amplitude à visão e aguçam os demais sentidos. O senso crítico.
Pessoas tentam te engambelar e resgatar a fantasia, tão real na infância, para assim torná-lo manipulável. Cabe a você diferenciar o que de fato leva a glória ou ao fracasso. Se o bom velhinho presenteou-lhe com cem gramas de cocaína ou se isso é obra do bicho papão. Tão claro, entretanto somente os seres que expandiram singelas frestas são capazes de enxergar a realidade escancarada. Enquanto armas gritam, livros sussurram e bundas substituem cérebros um muro robusto obstrui a cultura.
Era uma vez uma princesa... – E ai princesa, tem hora pra hoje? – e o corpo em contrapartida a um esbelto e sonoro violão, torna-se instrumento para satisfação sexual de terceiros. Todavia a chefe não mais é a fada do dente. A não ser que por prostituir “dentes de leite” tornou-se fugitiva da polícia.
Uma máfia sem fim, comandada pelo homem do saco que lançou um brilhante hit, composto por um par de sílabas mal dispostas, as quais hipnotizaram o mundo. Ele destroçou boa parte das patas do meu aracnídeo colorido. Menos a rosa. Ela cresceu juntamente com a minha consciência.
Ironia, no sentido literal. De acordo com a velocidade do desabrochar das barbaridades, vem a necessidade da consciência - o mundo suplica por mudança.
Bom seria se pudéssemos arrancar os males como dentes de leite para apontar a dignidade e crescer o respeito permanente. Se Deus estiver comigo acompanhado da razão, dispenso a dentadura.

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